Foi folheando o livro de Álvaro
de Campos – costume bobo de querer ler tudo olhando só de relance – que vi o
que, até então, não pensava.
Gosto de ler o que as pessoas
escrevem em livros, acho interessante. A
graça de se comprar livros usados vai além da economia. As vezes tenho o
costume de comprar livros velhos pra sentir a poeira de outra casa, de outra
vida, imaginar as mãos que os tocaram, quantos gostaram e quantos os desprezaram...
o certo, e por isso mesmo prazeroso de se ter livros usados, é nunca poder
descobrir isso...
Certa vez, parei em frente a um
Sebo, esses lugares que vendem livros usados, e como perto de lá havia uma
árvore linda, com uma copa sombreada, resolvi sentar-me em baixo dela
e observar as pessoas com os livros. Tinha o olhar quase como de um
cientista, mas profundo como de um poeta. O interessante do Sebo é que este era
todo vidraçado, e por conta disto, podia ver todos as pessoas juntas, num lugar
pequeníssimo e cheio de livros. E mais curioso ainda, por conta do reflexo nos
vidros, podia ver rostos em cima de rostos, expressões faciais em cima das
outras, cores difusas aparecendo e desaparecendo pelo sol que ora aparecia e
percebi....
Não percebi!
Fiquei a olhar, e querendo ver tudo,
não vi nada...
Não percebi....
Então entrei na lojinha
envidraçada e comprei um livro... e pela primeira vez não o folheei como de
costume e nem fiquei na duvida... Vi o livro de poesias de Álvaro de Campos e
levei pra casa.
Quando chego em casa com livros
que nunca li ocorre quase um ritual. Pego as chaves de casa, cuidadosamente,
abro a porta discretamente. Passo pela sala, pela cozinha, olho o banheiro, o
quarto, abro todas as janelas e contemplo a cidade – as vezes tenho a impressão
de ver toda ela de cima da minha casa, e me encanto mais e mais de ver e ouvir
todos os sons que a cidade no seu vigor tem . Entro no quarto, retiro o livro
da sacola e o contemplo por alguns segundos deixando-o na cabeceira... Tomo um
banho, daqueles que tiram todo o cansaço e o peso de todos os olhares, e esquece-se
todas as amarguras, e abandona-se todos os achismo... molho os cabelos com toda
a liberdade que a água ao cair no rosto proporciona... banho-me como que caísse
em um rio límpido e belo. Enxugo-me devagar, e busco a roupa mais leve e macia
para usar. A sensação de retirar todas as impurezas nos dá alivio e sensações
indescritíveis.
Sento-me a cama e pego o livro e.... o folheio...
Folhear o livro de Álvaro de
Campos foi diferente, não houve pensamentos que me aturdissem, não houve
tentativas de descobertas... Não tentei imaginar seu antigo dono, nem como este
o lia, nem como ele o pegava, se ele o inspirava, se era para estudos.... Vi escritos
apenas em cima e aos lados dos poemas, dos versos, das palavras como se fosse
uma cópia de tudo ali escrito... E me aturdi com o mais improvável... um escrito
atrás do livro de Álvaro de Campos... Quase que o inicio de um poema... Não pensei, e vi
De repente tudo se és...
vai
E tudo perde sem....
tido
Como se nunca
houvesse existido
Mas recordo o gosto
de algo
De um não sei o quê
Apenas vivi
intensamente
Nunca deixará de ser
Real.
- Fechei o livro e nunca mais
dormi!
Nenhum comentário:
Postar um comentário