terça-feira, 1 de maio de 2012

“O Artista”, ou quando o silêncio brigou com o som


Tive o privilégio de assistir um dos melhores filmes da atualidade. Uma obra prima do diretor Michel Hazanavicius, com a atuação primorosa de Jean Dujardin, esse filme me encantou em tudo! Estava em cartas no Cine Olympia semana passada! Quem assitiu pode confirmar meu entusiasmo e aprovação... Este filme era tudo que o cinema atual estava precisando. Leia a seguir a crítica de Luiz Zanin, publicada no jornal O Estadão de 07 de fevereiro de 2012.


O Artista, ou quando o silêncio brigou com o som.


Claro que O Artista é um objeto estranho no mundo do cinema, Francês, celebra a época de ouro de Hollywood e, com seu subtexto e desfecho esperançosos, chega envolto numa aura inegável de nostalgia.
Por que o sentimento nostálgico às vezes triunfa, nas vidas individuais e também na esfera coletiva? Porque alguma coisa (ou muitas coisas) no presente não nos agradam e então preferimos nos refugiar no passado eleito em nossa fantasia como uma época de ouro perdida.
O Artista tem disso. Tem também algo mais, é verdade: instala-se naquela dobra da evolução do cinema que foi a difícil passagem do mudo para o sonoro. Etapa que destruiu muitas carreiras e enfrentou resistência em toda a parte – menos entre o público, que prontamente adotou o ‘cinema falado” (de que fala Noel Rosa no samba que leva esse nome). Um gênio como Chaplin postergou o que pôde o uso de diálogos em seus filmes. E incontáveis atores e diretores não se adaptaram e tiveram suas carreiras destruídas. Billy Wilder, outro estrangeiro, fez o melhor filme (sonoro) sobre a destruição de pessoas causada pelo cinema falado – crepúsculo dos Deuses, de 1950, com Gloria Swanson como protagonista e Buster Keaton fazendo uma ponta.
Michel Hazanavicius deve ter intuído que vivemos em uma época semelhante, embora aparentemente menos dramática. Tudo passa para o lado do digital, e o compartilhamento de arquivos, vulgo pirataria, ameaça o modelo de negócio com o qual os grandes estúdios se acostumaram. Astros de carne e osso temem ser substituídos por contrafações digitais, como o Gollun de O Senhor dos Anéis. A técnica de motion capture digitaliza os movimentos dos atores reais e os reprocessa em computador dando vida a protagonistas digitais, como em Tintim. Estamos na iminência de um mundo novo, que desagrada aos donos do mundo antigo e causa insegurança em muita gente. Quando o presente nos provoca calafrios regressamos ao passado, como a um simbólico útero materno.
Por isso, o protagonista de O Artista é um certo George Valentin (Jean Dujardin, extraordinário), grande astro do cinema mudo, que arranca suspiros das fãs. Uma dela é Peppy Miller (Bérénice Bejo, mulher de Hazanavicius0 que de fã se torna estrela e continua apaixonada pelo astro, logo em processo de decadência. Conhecem-se num momento divergente da vida dos dois – um está no topo e vai cair enquanto que a a outra sai do anonimato para a glória. No quadro de fundo, a passagem do sonoro para o falado, que se deu entre 1928 e o começo de 1930.
O charme do protagonista (mesmo caído em desgraça), o frescor da estrela, magnificado por uma brejeira pintinha artificial, ideia de seu infeliz pigmalião, o pragmatismo dos produtores, simbolizado por um John Goodman brilhante – tudo isso e mais um cãozinho elétrico e fiel são ingredientes que, bem trabalhados e mesclados fazem de O Artista um filme muito prazeroso. E que, claro, tem encantado plateias por onde passa e tornou-se o favorito ao Oscar com suas dez indicações. Terminamos de assisti-lo com inegável gosto e com uma também inevitável pergunta a martelar o cérebro: sim, mas e daí? 

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