terça-feira, 12 de maio de 2015

Conto inacabado

Um esboço de lembrança ou nada disso


A vida, meu bem, também é dormir!


Imagens em corte. Era apenas isso que lembrava Irene. Sem nem ao menos saber se o que lembrara era realmente o que acontecera. Nem ao certo tinha convicção se o que estava a pensar realmente era lembrança ou algo criado por si mesma no momento de aflição.


Irene tinha imaginação fértil, acometera em alguns pensamentos em revelia, nem sabia ao certo se era mesmo essa a quem chamavam por seu nome. Talvez houvesse um só momento em que este acaso de confusão a fizera. Não entendeu se se fez Irene ou era apenas nome de batismo. No entanto, sua dificuldade em entender os pensamentos, fossem eles reais ou não, não a impedira de pensar.


Cheguemos, portanto, ao fato propriamente dito: Ao ser acordada pelo namorado, Irene ficou espantada. Ele relatou o seguinte fato: Saíste pela porta, com a roupa de dormir. Chegaste à portaria e nem disseste nada. Saíste em direção ninguém sabe onde, salvo algumas imagens suas pela madrugada em cinco lugares diferentes, na cidade...”


E dito isso, calou-se esperando algo que deveria ser dito e não foi. O momento de apreensão se tornou maior ao passo que o silencio tomava conta do ambiente. O homem um tanto quanto estupefato pelo silencio ensurdecedor do lugar, lembrara, de ouvir certa vez que não há nada mais barulhento e ensurdecedor que o silencio.


Saiu.


Irene então suspirou, como se houvesse prendido a respiração por muito tempo, tempo este em que o namorado se encontrava a seu lado. Não se deu conta de que estava a sujar a cama com as sandálias cheias de barro fresco, nem de que estava a transpirar como se houvesse feito longa caminhada...


Fora de seus ouvidos e longe de sua presença, todos estavam abismados a comentar o ocorrido da noite medonha. Houve quem dissesse que estava possuída por forças mal-intencionadas, a ponto de levá-la a morte ou a qualquer lugar pior que o inferno. Outros afirmaram com veemência que, apesar de não esboçar qualquer fala dava uns suspiros, quase como gemido de dor, coisa espantosa visto que não parecia nem dormindo, nem acordada. Apesar do fato insólito, muitos deram explicação nem tão científicas, nem tão ignorantes, “Apenas uma sonambula, isso é normal!, afirmou o porteiro do prédio, ao que as beatas ouviam já de terço na mão, quase certas que o padre precisaria de ajuda para o exorcismo que se anunciava.


No entanto, Irene em nada se atemorizava. Longe de todos, ainda na claridade da manhã, no quarto, finalmente se deu conta de que estava a sujar toda a cama e a si mesma, e num lapso lembrou-se de que sonhara a noite passada que passava por um matagal, às escuras, a procura de sei lá o quê, ou de sei lá quem.


Imensa manhã


No começo, tudo parecia muito estranho. Não tinha mais medo, apesar da loucura que havia sido aquela noite. Seus pensamentos um tanto quanto confusos, e um cansaço mais descomunal como de costume... seus olhos ardiam, sua cabeça doía... uma dor insuportável parecia tragá-la por completo... no entanto, Irene não conseguia chorar, nem rir... Eram sentimentos confusos e ininterruptos, uma sensação sufocante...


Seu namorado não entendia muito bem, mas apesar de tudo tentava compreender... mesmo não sendo o melhor dos homens, buscava ser o melhor para ela. De nada adiantava, no entanto.


Enquanto isso, o murmúrio de pessoas no prédio aumentava... já era possível ouvir a preparação do exorcismo, apesar na distancia da casa com a guarita... todos comentavam que era necessário ser algo urgente e inevitável.


Porém, Irene, apesar do mal-estar aparente, não se sentia tão mal assim... apenas a confusão do quarto lhe deixava mais e mais confusa com o turbilhão de informações desencontradas da noite sinistra...


Toca a campainha...


Irene, sozinha, abre a porta e como num jato lhe vem, aos olhos, a água benta... Tudo aquilo lhe dava a sensação de estranheza, mais profunda que, até então, a noite lhe causara... e começou a agitar-se como se o próprio demônio e suas legiões estivessem entrado em seu corpo... No entanto não tinha vozes mil, nem subiu pelas paredes como nos filmes de exorcismo que assistira na infância... apenas ficou com medo, um medo sincero de que aquilo fosse, de algum modo, lhe fazer mal... e quanto mais tentava sair dali, mais se envolvia no enredo das possessões.


- Aqui, Cristo não está!


O encontro


Irene não se reconheceu ao olhar-se no espelho. Tinha medo de si mesma. Parecia outra pessoa triste a olhar para ela. Percebeu que é muito triste ter pena de si mesma...


A cidade a sufocava e isso sempre fora um problema. Mesmo que o problema fosse algo um tanto quanto fugaz. O coração batia, sentia seu coração... mas morria um pouco todos os dias. O que seria a vida senão isso: Uma morte?!


Se ouvia vozes ou se eram as vozes que a ouviam, não sabia.. sentia mais medo que desespero, ou, as vezes, o reverso. Os ruídos cada hora mais rápidos, as horas seguindo cada vez mais depressa... o ouvido que dói e cala naqueles momentos de angustia parecem lhe reprimir mais e mais... nunca percebera que já estava condenada a buscar aquilo que não se sabe, aquilo que morre dentro da gente todos os dias...


- A loucura não é pior dos males... encontrá-la, certamente é a maior benção do universo! E digo com sinceridade: Sei a verdade e sou feliz!