terça-feira, 30 de julho de 2013

Um escrito atrás do livro de poesias de Álvaro de Campos

Foi folheando o livro de Álvaro de Campos – costume bobo de querer ler tudo olhando só de relance – que vi o que, até então, não pensava.
Gosto de ler o que as pessoas escrevem em livros, acho interessante.  A graça de se comprar livros usados vai além da economia. As vezes tenho o costume de comprar livros velhos pra sentir a poeira de outra casa, de outra vida, imaginar as mãos que os tocaram, quantos gostaram e quantos os desprezaram... o certo, e por isso mesmo prazeroso de se ter livros usados, é nunca poder descobrir isso...
Certa vez, parei em frente a um Sebo, esses lugares que vendem livros usados, e como perto de lá havia uma árvore linda, com uma copa sombreada, resolvi sentar-me  em baixo dela  e observar as pessoas com os livros. Tinha o olhar quase como de um cientista, mas profundo como de um poeta. O interessante do Sebo é que este era todo vidraçado, e por conta disto, podia ver todos as pessoas juntas, num lugar pequeníssimo e cheio de livros. E mais curioso ainda, por conta do reflexo nos vidros, podia ver rostos em cima de rostos, expressões faciais em cima das outras, cores difusas aparecendo e desaparecendo pelo sol que ora aparecia e percebi....
Não percebi!
Fiquei a olhar, e querendo ver tudo, não vi nada...
Não percebi....
Então entrei na lojinha envidraçada e comprei um livro... e pela primeira vez não o folheei como de costume e nem fiquei na duvida... Vi o livro de poesias de Álvaro de Campos e levei pra casa.
Quando chego em casa com livros que nunca li ocorre quase um ritual. Pego as chaves de casa, cuidadosamente, abro a porta discretamente. Passo pela sala, pela cozinha, olho o banheiro, o quarto, abro todas as janelas e contemplo a cidade – as vezes tenho a impressão de ver toda ela de cima da minha casa, e me encanto mais e mais de ver e ouvir todos os sons que a cidade no seu vigor tem . Entro no quarto, retiro o livro da sacola e o contemplo por alguns segundos deixando-o na cabeceira... Tomo um banho, daqueles que tiram todo o cansaço e o peso de todos os olhares, e esquece-se todas as amarguras, e abandona-se todos os achismo... molho os cabelos com toda a liberdade que a água ao cair no rosto proporciona... banho-me como que caísse em um rio límpido e belo. Enxugo-me devagar, e busco a roupa mais leve e macia para usar. A sensação de retirar todas as impurezas nos dá alivio e sensações indescritíveis.
Sento-me a cama e  pego o livro e.... o folheio...
Folhear o livro de Álvaro de Campos foi diferente, não houve pensamentos que me aturdissem, não houve tentativas de descobertas... Não tentei imaginar seu antigo dono, nem como este o lia, nem como ele o pegava, se ele o inspirava, se era para estudos.... Vi escritos apenas em cima e aos lados dos poemas, dos versos, das palavras como se fosse uma cópia de tudo ali escrito... E me aturdi com o mais improvável... um escrito atrás do livro de Álvaro de Campos... Quase que o inicio de um poema...  Não pensei, e vi

De repente tudo se és... vai
E tudo perde sem.... tido
Como se nunca houvesse existido
Mas recordo o gosto de algo
De um não sei o quê
Apenas vivi intensamente
Nunca deixará de ser Real.


- Fechei o livro e nunca mais dormi!

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